O Jejum na Tradição do Yoga: Silenciar para expandir
Desde tempos imemoriais, mestres do Yoga compreendiam que o corpo precisava, em certos momentos, de silêncio. Não apenas o silêncio da mente ou do ambiente externo, mas o silêncio digestivo, celular e energético. Na Índia antiga, o jejum sempre foi mais do que uma prática de purificação física — ele era uma ferramenta de elevação espiritual.
Os yogis praticavam jejum como uma forma de contenção (tapas, 3º nyiama), cultivando disciplina, clareza e desapego. Ao restringir o alimento, voltavam sua atenção para dentro, percebendo que a verdadeira nutrição não vem apenas da comida, mas da conexão com o divino, do prana e da consciência expandida.
O jejum com água — jal upavāsa — é considerado um dos mais profundos, por levar o praticante a um estado de quietude interior que poucas práticas alcançam. Durante três dias de vazio, não apenas o corpo se reorganiza, mas a alma também se recorda de sua essência.
Entretanto, o jejum merece respeito e deve ser acompanhado por um profissional, como um nutricionista.
A Sabedoria do Corpo em Jejum: Cetose, autofagia e regeneração
Do ponto de vista científico, os efeitos do jejum são impressionantes. Ao cessarmos a ingestão de alimentos, o corpo começa a reorganizar suas funções em poucos estágios:
Primeiras 24 horas: o corpo utiliza a glicose armazenada no fígado e músculos.
Após 24 a 48 horas: inicia-se a cetose, um estado metabólico em que o corpo começa a queimar gordura como fonte de energia, produzindo corpos cetônicos que alimentam o cérebro com mais estabilidade e clareza.
Após 72 horas: ativa-se de forma intensa a autofagia, um processo em que células danificadas são recicladas e toxinas são eliminadas. O sistema imunológico se renova, tecidos inflamados se recuperam e há um pico de regeneração celular.
Além disso, estudos mostram que o jejum aumenta a produção de GABA (ácido gama-aminobutírico), um neurotransmissor crucial que reduz a ansiedade, estabiliza o humor e silencia pensamentos repetitivos. Muitos antidepressivos tentam aumentar artificialmente o GABA — o jejum faz isso de forma natural e integrada.
Transformações espirituais: O corpo em silêncio, a alma em expansão
No jejum, a consciência se expande. O mental desacelera, emoções são observadas com mais clareza e o ego perde força. É comum que o praticante entre em estados meditativos profundos, tenha sonhos vívidos, intuições e insights sobre sua própria vida. O campo sutil se abre.
Na tradição tântrica do Yoga, acredita-se que o jejum purifica os nadis (canais energéticos), facilitando o fluxo do prana e preparando o corpo para vivências mais elevadas de consciência. Não por acaso, grandes mestres e buscadores sempre jejuaram antes de retiros espirituais ou iniciações profundas.
Preparação: A semana anterior como ponte para o jejum
Um jejum de 3 dias com água exige respeito e planejamento. A semana anterior deve ser vivida como um ritual de entrada. Veja um exemplo de adaptação alimentar:
7 dias antes: eliminar café, álcool, açúcar e ultra processados.
5 dias antes: reduzir alimentos de origem animal, focando em vegetais, frutas, raízes e grãos leves.
3 dias antes: ingerir apenas vegetais cozidos e frutas leves, cortando sal e óleos.
1 dia antes: apenas líquidos claros, como chás e caldos leves sem temperos ou gorduras.
Essa transição prepara o sistema digestivo e reduz sintomas desagradáveis durante o jejum, como dor de cabeça ou fadiga.
O Processo: Presença, água e entrega
Durante os três dias de jejum, a prática deve ser vivida com escuta e suavidade. Ingerir apenas água (filtrada ou mineral, em quantidade abundante) é o essencial. Algumas pessoas adicionam uma pitada de sal do Himalaia ou limão em parte da água para auxiliar na reposição de minerais — especialmente se houver tonturas ou fraqueza.
O ideal é permanecer em repouso ou com atividades leves: meditação, caminhadas suaves, escrita, contemplação. A prática de Yoga pode ser reduzida a posturas restaurativas, respiração consciente (pranayamas sutis) e meditação.
Evite consumir conteúdo denso, discussões ou trabalho intenso. O jejum é um retiro interno — respeite-o como tal.
A Saída: Reaprender a comer com presença
A saída do jejum é tão importante quanto a entrada. O sistema digestivo estará sensível, e a primeira refeição marcará o retorno da energia da terra ao corpo.
Sugestão de reintrodução:
Primeiro dia pós-jejum:
Primeira refeição: suco natural diluído ou água de coco.
Segunda refeição: papa de arroz ou abóbora cozida, sem sal.
Terceira refeição: legumes cozidos no vapor, arroz integral ou kitchari.
Segundo e terceiro dia: vá reintroduzindo frutas, sementes, azeite e sal moderado. Evite carnes, ovos, laticínios, café e alimentos industrializados por pelo menos 5 dias.
Esse retorno consciente ensina uma nova relação com o alimento. Comer devagar, mastigar bem, observar os sabores sutis — tudo se transforma.
Conclusão: O silêncio como cura
Jejuar é uma escolha radical num mundo que nos ensina a preencher todo vazio. Mas nesse gesto de não comer, algo se revela: a força da vida que pulsa mesmo na ausência. O corpo se regenera, a mente silencia, e a alma, enfim, respira.
No Yoga Morungaba, entendemos o jejum como uma poderosa ferramenta de reconexão. Em tempos de excesso, ele nos lembra que o essencial não pesa, não ocupa, não consome — apenas é.
Se você sentir o chamado, prepare-se com carinho.
Faça o acompanhamento com um nutricionista.
O jejum não é uma performance. É uma entrega. Um reencontro com a simplicidade e com o sagrado que habita em cada célula.
Namastê.
